Ocupe-se de pouco para ser feliz

30/06/2011

Penny Lane me cobra: “Cadê seus textos, Hombre?”

Onde estão?

Bem, o trabalho de mais de mais de uma década está aqui, neste blog. Mas não é isso que ela quis dizer.

“Os novos, Hombre.”

Explico para ela que reli uma frase de Heráclito que anotei há muito tempo.

“Ocupe-se de pouco para ser feliz”, diz a frase.

“E?”

Ora. Tenho desrespeitado por uma vida inteira uma máxima que eu decidira adotar para mim. Alguém aí falou em autoboicote?

Isso quer dizer que me concedo, merecida ou imerecidamente, férias. Rumo a sei lá onde. A mim mesmo, talvez.

Para me ocupar de pouco.

Quase nada.

Nada, quem sabe.

Neste mundo em que tudo fenece

25/06/2011

Uma mulher me esperava no restaurante. Ela sempre chegava um pouco antes; eu sempre um pouco depois. Fazia muito tempo que não a via, mas certos hábitos jamais se alteram. Vi que ela folheava um livro, acomodada numa mesa para dois. Ela sempre tinha um livro à mão para a hipótese de eu demorar mais que o razoável. O livro que ela lia naquele momento, vi depois, era uma pequena biografia de Marcel Proust sobre a qual eu escrevera numa revista.

Era Mariza.
Ela estava de volta à cidade por uns dias para visitar a mãe. Mariza, depois que rompemos, conheceu uma fazendeiro de Mato Grosso. Logo se casaram e ela mudou para lá para viver seu novo amor bucólico.

“Tudo bem?”, perguntei.
“Graças a Deus.”
Rimos e o gelo se quebrou. Era uma piada particular nossa. Mariza é atéia. Ela jamais acreditou em Deus. Num certo momento, deixou de acreditar também em mim. Foi aí que nosso romance começou a terminar. Reencontros com amores passados servem para mostrar muita coisa. Mostram, por exemplo, como uma intimidade construída em anos pode ser dissolver instantaneamente com o rompimento. Você trata com cerimônia constrangida alguém com quem, até pouco antes, tinha a mais absoluta liberdade. Só falta a gente dar continência ao outro.

“A melhor coisa que você fez por mim, em muito tempo, foi indicar na revista este livro”, ela disse. “Sou realmente muito grata a você.” Era a Mariza de sempre, irônica, às vezes ferina mesmo num banal agradecimento pela indicação de um livro.

“Uma frase”, ela continuou. “Tem uma frase neste livro que talvez seja a mais linda que eu já li. E a mais triste também.” Ela me passou o livro aberto numa determinada página. Nessa página, uma sentença estava sublinhada. Mariza costuma sublinhar as frases de que mais gosta nos livros que lê. Eu tentei muitas vezes fazer o mesmo, mas minha falta de método jamais me permitiu consolidar esse hábito. Me impressionei ao saber que Vargas Llosa faz uma ficha de cada livro que lê. Pensei em copiá-lo, mas meu lado caótico me impediu.

Li a frase sublinhada por Mariza. Ela tinha razão. É uma das frases mais tristes que alguém já escreveu. Proust disse: “Nesse nosso mundo onde tudo fenece, tudo perece, há uma coisa que se deteriora, que se desfaz em pó até de forma mais completa, deixando para trás ainda menos traços de si do que a beleza: a saber, a dor”.

A dor. A dor da perda de um amor. A gente imagina que vai morrer sem ele. Como dói aquela ausência. Como dói a perspectiva de nunca mais ter nos braços alguém que a gente imaginava ao nosso lado para sempre. Nunca mais. E no entanto quando aquela dor torturadora se vai, vencida enfim pelo correr dos longos dias, o que sentimos não é alívio, mas vazio e frustração. É como se pensássemos: o grande amor exige uma dor eterna, um luto no coração até o último dia. Só que a dor, como disse Proust, dura ainda menos que a beleza.

Devolvi o livro a Mariza e trocamos de assuntos. O resto do almoço foi, quase todo, alegre. Lembramos certas passagens de nosso romance como na cena final de um dos meus filmes preferidos, Annie Hall, de Woody Allen, e rimos. Lembramos, por exemplo, o dia em que entramos por acaso numa festa de firma num bar do Terraço Itália e acabamos comendo mais, bebendo mais e rindo mais do que qualquer pessoa naquele salão. Lembramos a madrugada bêbada numa boate em que uma dama da noite recomendou compostura a Mariza. Quando Mariza ameaçou entrar em lembranças menos amenas, e delas extrair uma raiva que o tempo foi incapaz de mitigar, entendi que era a hora de pedir a conta. Certas histórias, é melhor não desenterrá-las, escreveu Shakespeare. Concordo.

E então nos despedimos. Sem drama. Ela refizera sua vida e eu a minha. Ela voltava para Mato Grosso e eu para minha rotina de escritor barato. Um novo e promissor capítulo amoroso se instalara na vida de Mariza, e a verdade é que meu coração voltara a bater rápido, bem rápido, por uma mulher. Já não doía como doera nem nela nem em mim, mas ali compreendi com clareza que a morte da dor amorosa também pode, de uma forma estranha, doer.

O jornalista e a massagista

22/06/2011

Peter estava deitado na grama do Hurlingham Park ao lado de Tania, a Ibiza Angel ucraniana que conhecera no Empire, o cassino da Leicester Square. Sob o sol de maio, os cabelos loiros de Tania pareciam brancos. Os olhos eram azuis como duas bolas de gude.

Peter olhou para Tania e riu sozinho. As mulheres da União Soviética durante muito tempo pareciam ser todas elas gordas e desinteressantes. Era o que a imprensa americana espalhava para o mundo. Foi com uma certa surpresa que, com o colapso soviético, Peter viu emergirem tantas mulheres bonitas. Uma delas estava ali a seu lado. Tania passava delicadamente proteção no rosto de Peter antes de jogarem tênis na quadra de grama sintética do parque. Tania fizera questão de ensinar uma única palavra de ucraniano a Peter.  Lyubov. Te amo.

Peter gostava de ir ao Hurlingham. Nos finais de semana, via partidas de futebol e rugby de amadores. Era um parque com o espírito igualitário londrino. Antes, o terreno fazia parte do Hurlingham Club, um dos clubes mais fechados de Londres. O governo trabalhista que substituiu a administração de Churchill depois da Segunda Guerra desapropriou um pedaço do clube e transformou-o num parque público. As regras do esnobe jogo de pólo a cavalo tinham sido definidas, no passado, no clube. Hoje já não se jogava mais pólo lá, mas principalmente tênis em suas belas quadras de grama tão bem cuidadas quanto as de Wimbledon.

“Peter?”

“Hmmm.”

“Ele não para de me procurar.”

Ele era Assange. Peter levara Tania para a entrevista que fizera com Julian Assange. A conversa foi durante um almoço no Pizza Express da estação de Fulham Broadway. Peter gostava de comer a lasanha de lá, sentado numa mesa à beira da janela que lhe dava uma versão quase panorâmica da Fulham High Street. Sempre que ia a jogos do Chelsea no Stamford Bridge, o estádio ali perto da estação, passava depois pela Express para comer a lasanha.

Peter reparou que Assange gostara da presença de Tania, mas não imaginou que ele fosse tentar nada. Como ele conseguira seu email? Entrara, será, como hacker no site do Empire, depois de saber durante o almoço que Tania era massagista lá?

Ouvira dizer que o fraco de Assange eram as mulheres. Uma australiana com quem ele saiu algumas vezes o definiu como um “homem que não sabe ouvir um não”.

Assange dissera a Peter que em breve iria à Suécia. Peter conhecia bem a Suécia. Assange com sua insistência poderia ter problemas lá. As mulheres suecas são neuróticas. Parecem ávidas por acusar homens de estupro. Peter levara um susto quando, numa viagem à Suécia, um jornalista local lhe dissera que você pode ser acusado de estupro na Suécia se fizer sexo sem proteção. Suponha que uma mulher aceite ir para a cama com você. Vocês, antes de dormir, fazem o que têm que fazer. Se você acorda no meio da noite e retoma a festa, pode ter problemas se estiver sem preservativo. “Se você sair com uma sueca, peça antes de dormir com ela um documento em que ela diz que está com você consensualmente”, disse a Peter o jornalista sueco.

“Por que você não sai com ele, Tania?”, disse Peter. “Ele é o jornalista mais célebre do mundo hoje. Um herói para muita gente.”

“Peter. Você acha mesmo que eu sairia com um cara que cheira como se não tivesse tomado banho há dias?”

Peter riu. Era verdade. Assange parecia estar muito entretido em salvar o mundo para ter tempo de tomar banho.

O que sentia por ela? Era uma pergunta que vinha ocorrendo a Peter algumas vezes nas últimas semanas. Desejo, com certeza. Curiosidade, também. E um sentimento de proteção. Gostaria de evitar que o mundo fizesse Tania sofrer.

Mas e amor?

Isso Peter não sabia. Como ficaria se Tania desaparecesse de sua vida? Triste, é certo. Mas por um dia, uma hora ou uma eternidade?

“Peter?”

“Hmmm.”

“Hoje eu vou dar de zero em você.”

Não era difícil. Tania quase fora profissional de tênis. E era vinte anos mais nova que Peter.

Uma hora depois, saíram da quadra. Tania ia tomar um banho no apartamento de Peter antes de ir para o Empire.

“Eu não disse?”, ela falou ao se cumprimentarem na rede terminado o jogo.

Ele olhou para ela. Sentiu seu suor ao beijar seu rosto na rede, e pensou que nunca experimentara uma derrota tão vitoriosa.

Choro de fêmea

13/06/2011

 

Um estudo científico internacional afirma que o homem rejeita sexualmente a mulher que chora.

Até o cheiro da lágrima afugentaria.

Pois eu discordo. A ciência, neste caso, está inteiramente errada.

A chorosa fascina porque é mulher na essência.  Vulnerável, desprotegida, pronta a ser socorrida – e depois se Deus ajudar penetrada – pelo seu salvador.

Quanto ao chorão, ele sim é repulsivo. Fica desfigurado, revela sua fraqueza patética e mostra à mulher que ela não pode contar com ele nos apuros.

Lembro sempre de uma frase de Sêneca: “As lágrimas dos fracos secam as minhas.”

Perfeita!

09/06/2011

A perfeição pode ser alcançada (um quadro de Alfonse Mucha)

Veja se você, mulher leitora, se enquadra no ideal masculino de perfeição feminina.

A Perfeita — abreviemos — faz as seguintes coisas.

1) Prefere ouvir a falar. Entende que, se a natureza lhe deu uma boca e dois ouvidos, não foi à toa.

2) Gosta mais de ação do que de discussões sobre o relacionamento. Até porque, se o relacionamento está ruim, é provavelmente por falta de ação.

3) Não recusa sexo mesmo que esteja de verdade com dor de cabeça. Recusas femininas matam qualquer relacionamento.

4) Está sempre bonita e cheirosa para o amado.

5) Não fuça o gmail, o Facebook e o Twitter dele. Jamais. É invasão de privacidade.

6) Faz coro quando seu amado canta, mesmo que seja desafinada. Linda McCartney fazia isso para o marido, e o manteve a seu lado até a morte.

7) Não disputa a razão com seu homem. Não tenta parecer melhor ou mais inteligente que ele, mesmo que seja. Nestes casos, delicadamente finge ser mais tola do que na verdade é.

8 ) Respeita o cansaço do guerreiro quando ele prefere simplesmente dormir a praticar sexo. Caso esteja muito excitada, pode sempre usar as próprias mãos, pelas quais não paga nada.

9) Entende que as preliminares devem ser satisfatórias para ambas as partes, e não só para ela.

10) Não olha para homem nenhum lascivamente, mas compreende que em certas situações o amado não cometerá pecado se — discretamente — admirar uma mulher atraente que entre no bar ou no restaurante. Porque na verdade toda a raça feminirá estará sendo homenageada naquele olhar clínico e fugaz, incluída a própria mulher amada.

Existem outros pontos. Mas eles tornariam a mulher mais que perfeita, o que é desnecessário. Basta se aplicar no decálogo acima.

‘Ter uma mulher apenas é como usar a mesma meia a vida inteira’

05/06/2011

Leio um livro em que é narrado um encontro amistoso entre muçulmanos e ocidentais.

As pessoas estão num clima tão positivo que não escondem suas curiosidades essenciais.

Um não muçulmano quer saber se um homem com várias esposas pode, eventualmente, dormir com mais de uma na mesma cama.

E um muçulmano manifesta assim sua perplexidade diante da proibição imposta aos ocidentais de ter mais de uma mulher: “É como usar a mesma meia a vida inteira!”

Me pergunto se as mulheres poderiam ter a mesma opinião. Um homem apenas seria o equivalente a usar a mesma calcinha a vida inteira?

Uma garota de programas de Berlim

04/06/2011

Raras vezes vi um entrevistador tão bom. Faz as perguntas que todos queremos fazer. Mas é para a entrevistada que quero chamar a atenção.

Ela é um retrato de como a Alemanha lida com a prostituição.

É uma atitividade legalizada. Isso faz com que as garotas de programa sejam muito menos marginalizadas que habitualmente. Elas pagam impostos, o que as iguala a todos nós, exceto os muito ricos, que sempre encontram formas de fugir deles. Podem até ter namorados, como todas as mulheres. A legalidade tira muito muito do tom sinistro que afasta pretendentes. E também pode permitir uma vida menos mentirosa e, consequentemente, menos sórdida. A garota do vídeo diz que a família e os vizinhos sabem o que ela faz, e não duvido.

A prostituição jamais terminará. É um dado da vida, gostemos ou não. Isto posto, ela pode ser mais ou menos complicada. Os alemães dão ao mundo uma lição sobre como descomplicar ao máximo uma atividade que jamais será simples.

Tia Iracema, o sexo e as palavras

29/05/2011

Palavras de Tia Iracema, a filósofa sexual que matou meu tio de câncer no pulmão de tanto fumar ao lado dele: “Palavras bonitas ditas por homens eu esqueci muitas vezes. Mas um sexo bom, jamais. Por isso, Fabio, ao levar uma mulher para a cama, aja mais e fale menos.”

Hoje eu vou te mandar pra …

28/05/2011

Certas músicas valem por um tratado de relacionamentos.

Esta, dos Mutantes, por exemplo. Dedico-a a todas as mulheres que passaram pela minha vida. Imagino-as, uma a uma, mãos dadas no coro da música: “Atchuru!”

 

 

 

A volúpia e os prazeres segundo La Fontaine

27/05/2011

Penny Lane me passa um poema de La Fontaine.

Concordo em parte com a tese dele, não com o todo. Mesmo assim, faço questão de compartilhar.

Amar, foder: uma união
De prazeres que não separo.
A volúpia e os prazeres são
O que a alma possui de mais raro.
Caralho, cona e corações
Juntam-se em doces efusões
Que os crentes censuram, os loucos.
Reflete nisso, oh minha amada:
Amar sem foder é bem pouco,
Foder sem amar não é nada.

Filósofo Sexual

25/05/2011

“Peter?”

“Hmm?”

“Nunca encontrei alguém que gostasse tanto de sexo quanto você. Estou me sentindo uma … sei lá, uma escrava sexual de você, e estou tão feliz. Aquele dia no trem … você ficou ereto a viagem toda. Mais de duas horas.”

Eles tinham ido a Paris num fim semana pelo Eurostar, o trem que passa por baixo do Canal da Mancha. Você sai de St Pancras e chega à Gare du Nord. Direto de uma área central de Londres para outra de Paris. Ao voltarem, Tania encostou-se delicadamente em Peter e dirigiu discretamente para o meio das coxas dele a ponta de seus dedos cujas unhas estavam pintadas com os naipes do baralho. Era assim que Ibiza Girls, as lendárias massagistas do Empire Casino em Leicester Square, pintavam as unhas.

“Por que tanto apetite, Peter?”

“É uma resposta ao tédio que sinto, Tania. Acho a vida, basicamente, sofrimento. Perdas, traições, decepções. Schopenhauer dizia que a pior coisa que pode acontecer a alguém é nascer, e eu parcialmente concordo. O sexo é uma trégua, um intervalo precário e glorioso, neste ciclo infindável de dor.”

“Peter?”

Ela passou as mãos pelo cabelo loiro, genuinamente branco como a neve que nos últimos dois invernos voltara a Londres. Peter achava tão inocente esse gesto casual que ficava tocado.

Uma menina, uma garotinha aos 23 anos.

“Hmm?”

“Se houvesse nas universidades uma disciplina de filosofia sexual, você poderia ser catedrático. Você é um filósofo sexual.”

“Quanta honra, Tania. Raras vezes recebi um elogio tão profundo. Pena que não possa contar isso para a minha mãe.”

Riram, os olhos de um fixados nos do outro.

“Peter?”

“YA lyublyu tebe.”

Isso era a única coisa em ucraniano que ele conhecia.

Te amo.

Que você acha da cientista que foi acompanhantes para pagar seus estudos?

20/05/2011

QUE FAZ UMA cientista jovem e bonita em busca de um doutorado caro demais para ela? A resposta para Brooke Magnanti foi: programas de 300 libras a hora. A acompanhantes brasilia Brooke Magnanti, que é sósia de Nadja no esplendor de fêmea libidinosamente loura, e que ali no link você pode ver entrevistada por uma megera loira que deve ser frígida,  conseguiu com o fruto de seu trabalho o dinheiro necessário.

Foi, deu, venceu.

Seu caso tem despertado discussões apaixonadas mundo afora.

Minha questão: você acha o método de Brooke digno de aplausos, vaias, ou o quê?

Penny Lane e Ruby Tuesday

19/05/2011

E eis que depois de séculos reaparece Penny Lane. Quer dizer, reaparece virtualmente. Está no Skype, gloriosa em seu vestido da Primark que permite ver o violino de Man Ray tatuado em suas costas.

Penny Lane não está sozinha. Está com Ruby Tuesday num bar.

Estão bêbadas o suficiente para não se importar com o fato de que me acordaram.

“Fabio, Fabio”, as duas gritam alvoroçadas.

São duas mulheres jovens, bonitas, desinibidas.

“Vem pra cá.”

Talvez eu até fosse, mas é um tanto quanto longe o bar.

“Queria te fazer uma surpresa”, diz Penny Lane. Os óculos dão a ela um ar de intelectual.”Queríamos.”

E então as duas se beijam diante da câmara, para mim. Parecia o beijo que Bogart dá em Ingrid Bergman em Casablanca. Apenas eram duas Ingrids.

Pensei se dariam um passo a mais. Penny Lane tem um piercing na forma de cruz no mamilo esquerdo. Será que Ruby avançaria nele?

Não. Não, pelo menos, na minha frente.

Elas estavam rindo.

“Nossa, estamos causando neste bar, que é totalmente careta”, disse Ruby.

O que levava duas mulheres atraentes como aquelas duas a se beijarem na minha frente? Faltam homens na cidade? Sentiriam uma misteriosa curiosidade sexual uma pela outra, mesmo sem serem lésbicas? Quanto a mim, me toma uma certa sensação de desperdício quando vejo duas mulheres se agarrarem. Mulheres bonitas, naturalmente. Se são feias, não me importo.

Penny Lane uma vez me disse que em certas ocasiões gosta da delicadeza de uma mulher. Parece que Ruby também. É extremamente feminina, com seu rabo de cavalo e os olhos da cor da lagoa de Itapoã, e no entanto parece comandar como um homem Penny Lane naquela mesa de bar.

Talvez nós, homens, sejamos muito grosseiros sexualmente. Minhas mãos não deslizam delicadamente pelo corpo de uma mulher, mas com voracidade crua.

Nos despedimos, e elas desligam o Skype.

Antes de voltar a dormir, penso na cena. E me pergunto o que eu faria se estivesse lá, ao vivo, com Penny e Ruby. Múltiplas possibilidades matemáticas, como diz um personagem de Woody Allen ao contar para um amigo que estava namorando com duas gêmeas.

E então volto a dormir.

É melhor que seja nada, e não pouco, o que antes foi tudo

16/05/2011

E então terminou assim.

Você não cuidou de mim e me perdeu.

Espero que me perder não doa em você. Tenho a impressão de que não dói, exceto por alguma coisa localizada nas proximidades do orgulho e do amor próprio.

Coloquemos assim. Que doa o menos possível.

Você refez sua vida, e eu a minha. É sempre isso, não é?

Qual o ponto em fingirmos que é possível ressuscitar um sentimento morto, uma esperança que se perdeu gota a gota no decorrer dos dias em que estivemos juntos?

Amor já não posso dar. Amizade, não quero dar. Uma vez escrevi que é melhor que seja nada, e não pouco, o que anteriormente foi tudo.

E no entanto numa improvável emergência, e só nessa situação, você sabe que farei o possível para ajudar.

Meus planos já estão em outra direção, e os seus imagino também. Minha semente brotará em outro destino, e já não há nada que possamos fazer em relação a isso.

Aprendemos algumas coisas um com o outro.

Fiquemos com isso, que não é pouco.

Os conselhos de acompanhante Belle de Jour para que a mulher tenha uma vida sexual feliz

13/05/2011

ESCRITOR BARATO LÊ escritora barata. Há uma certa camaradagem entre nós, os esforçados soldados rasos das letras, os transpolins anônimos para Dostoievski, Tolstoi e Flaubert. Por isso peguei para ler o segundo livro da Belle de Jour, a cientista gostosa e quente que, para pagar um doutorado de mais ou menos 300 000 reais, fez durante 14 meses, entre 2003 e 2004, acompanhante df em Londres. Quase 1 000 reais a saída.

É um livro divertido, muito mais cômico e irônico do que erótico. Você mais ri que fica excitado, com certeza. É um erro grosseiro dizer que Belle de Jour, ou Brooke Magnanti, glamurizou a prostituição.  É o oposto. Ela tira todo o peso, toda a seriedade, toda a solenidade da vida de garotas de programa bsb. E também a lamúria, a autppiedade. Como sugeriram grandes filósofos, entre os quais Sêneca e Montaigne, ela ri da miséria humana, em vez de chorar.

Bem, ela entremeia seus relatos com listas e conselhos espirituosos para uma vida afetiva e sexual saudável e prazerosa. Não tem o tom doutoral e mofado das revistas femininas, mas sim a vivacidade petulante de quem sabe muito sobre sexo com lindas garotas e quer repartir, generosamente, com quem sabe pouco ou nada.

Me chamaram a atenção duas recomendações que ela faz, às leitoras, para tirar o sexo de uma eventual situação de tédio. Gostaria de ouvi-los, turma. A primeira: conversar abertamente com as amigas sobre sexo. Pode ser libertador e inspirador, segundo Belle. Boas práticas sexuais podem ser trocadas. Alguma coisa que alguém fez ou faz pode ter bons resultados para você na, como Tio Fabio dizia, fornicação.

A outra recomendação é: vejam pornografia, meninas. “Ao contrário da lenda, a mulher pode subir às alturas com um bom filme pornô”, diz ela, numa tradução livre. “Há situações interessantes e instrutivas.” Admito que sempre acreditei nessa tese, a de que mulher é avessa à pornografia. Meu limite pessoal foi a História de O e O Império dos Sentidos, que não chegam a ser pornografia.

Belle de Jour, com sua franqueza desconcertante, desmonta a questão da indiferença feminina ao sexo kinky do cinema pornográfico. A única mulher realmente entretida com erotismo que conheci foi Anais Nin, uma excelente escritora que nos anos 30, com seu jeitinho suave, chacoalhou Paris com seu amigo e amante Henry Miller, o autor de Trópico de Capricórnio. Anais, de quem recomendo qualquer volume de contos, escrevia histórias tórridas para um colecionador de erotismo a 1 dólar a página. Substituiu, aí, Henry Miller, e não raro escrevia na cama, caneta e caderninho, ao lado do marido bancário adormecido. A parceria entre Henry Miller e Anais Nin se transformou num filme muito bom, Henry & June.

Bem, ao debate sobre os pontos levantados por Belle de Jour.

O violino de Man Ray

10/05/2011

“Eu adoraria tocar violino”, Peter falou. “Um tio meu dizia que se você toca um instrumento nunca está sozinho.”

Ele estava passando os dedos pelas costas de Tania. Parecia hipnotizado pela tatuagem, reproduzida de uma foto de Man Ray de 1924 que foi uma das primeiras imagens surrealistas, “O Violino de Ingres’. Man Ray homenageara ao mesmo tempo o corpo feminino, comparado à beleza de um violino, e Ingres. Sua foto remetia à “Banhista de Valpinçon”, de Ingres, uma de cujas paixões era tocar violino.

Estavam na cama do apartamento de Peter em Londres. Tania estava suada, e Peter gostava de seu cheiro assim. Tinham acabado de dar uma volta de bicicleta pelo Bishops Park. O Bishops tinha este nome porque os bispos de Londres ficavam hospedados num palácio ali. Foram margeando o Tâmisa até o final do parque, no ponto em que aparece o estádio do Fulham. Quando estava só, Peter parava ali e se sentava no banco para ler. Sempre ficava por uns instantes também vendo um carvalho de mais de 500 anos do parque, um formidável desafio ao conceito budista de impermanência. Ao chegarem do passeio de bicicleta, Tania quis tomar banho, mas Peter não deixou.

“Peter?”

“Hmmm.”

“E se eu estiver grávida?”

“Vai ser uma festa. Uma festa de nove meses, Tania.”

Peter fora tomado, nos últimos meses, pelo impulso de espalhar sua semente pelo mundo. Dissera isso a Claudio, que respondera que era uma resposta infantil e imatura ao sentimento de mortalidade que fatalmente ataca um homem de meia idade.

“Você não vai esquecer que eu sou mulher, Peter?”

Não era a primeira vez que Tania falava nisso. Ela tinha medo de que um filho levasse o pai da criança a tratá-la não mais como mulher mas como mãe.

“Como eu poderia esquecer?”, pensou Peter, os olhos ainda fixados na tatuagem.

Virou-a então para si e se dedicou mais uma vez à tentativa — imatura e infantil, segundo Claudio, mas absurdamente agradável — de espalhar sua semente.

As mulheres e a cerveja

05/05/2011

Alguns anos atrás, li uma reportagem de uma jornalista que se fingiu de acompanhantes de Brasília para dizer o que se passava em um bordel de luxo de Brasília. Esqueci quase tudo que vi ali, exceto um detalhe: as meninas eram proibidas de beber cerveja. Não por razões de saúde, naturalmente. Mas porque, segundo os donos do lugar, o hálito da mulher fica ruim com a cerveja.

Nunca percebi esse problema, para falar a verdade. Mas também jamais esqueci a recomendação dada às marafonas.

Agora, vejo outra história que liga as mulheres e a cerveja, mas de uma forma mais dramática. Uma jovem da Malaísia tinha sido condenada a algumas bengaladas por ter tomado cerveja. É um país islâmico, e consequentemente rigoroso. Ela não chegou a apanhar.  Acaba de ser divulgado que ela se livrou da pena.

Mas me retornou à cabeça a controvertida relação entre a cerveja e as mulheres.

O gin-tônica perfuma o hálito, o uísque neutraliza e a cerveja, segundo muitos, ferra. Não que eu seja influenciável, mas se eu fosse mulher pensaria muito antes de tomar cerveja.

Não pelos quilos que eventualmente fosse ganhar, mas pelo risco de comprometer a ante-sala sagrada do amor: o beijo límpido, puro, perfumado.

O decálogo do homem fino

03/05/2011

Você é um homem fino?

Moralmente, quero dizer.

É fácil testar. Veja como você se enquadra nos dez tópicos abaixo. Tirei-os de um homem de letras da Inglaterra do século XVIII, Lorde Chesterfield. Fazem parte das recomendações que, em cartas, ele fazia a seu filho.
1) Acima de tudo, evite falar de si mesmo.
2) É melhor recusar um favor com classe do que garanti-lo vergonhosamente.
3) Olhos e ouvidos abertos, e boca quase sempre fechada.
4) Piadas ruins e risada alta fazem você parecer um bufão.
5) Nunca pareça mais sábio e mais inteligente do que as pessoas que estão a ser redor.
6) Não admire nada exageradamente.
7) Faça apenas uma coisa por vez.
8)  A paciência é o único meio de fazer que as coisas ruins não piorem.
9) Seja sério, mas não enfadanho.
10) Fale com frequência, mas jamais longamente.

“Pode ser que existam casamentos bons. Mas casamentos divertidos, não.”

29/04/2011

Saudade do tempo em que as pessoas debatiam com verve, com paixão os assuntos trazidos aqui.
Para tentar reacender a chama, trago uma frase de Rochefoucauld, o genial autor de máximas francês do século 17. Não sei se concordo com essa frase, mas ela me fez pensar.
“Pode ser que existam casamentos bons. Mas casamentos divertidos, não.”

O clássico erótico que esqueci

28/04/2011

Fiz uma lista com os 10 melhores romances eróticos da história da literatura.

Só fui me dar conta da injustiça que cometi quando reli um grande livro no iPad: O Amante de Lady Chatterley, de DH Lawrence.

Não o coloquei na lista. Errei.

É um primor, e não apenas pelo intenso conteúdo sexual. A força da narrativa, a limpidez da prosa, o ritmo da história são primorosos.

Lady Chatterley merece um lugar ao lado de Madame Bovary, Capitu e Ana Karênina como uma das mais notáveis adúlteras da ficção. O marido, impotente e aleijado por um ferimento na Primeira Guerra, não a pode satisfazer como mulher. Ela tem fogo, e ele se transformou em gelo. O resto é consequência.

É tamanha a importância da obra de Lawrence que um intelectual situou o início do movimento de libertação sexual em algum ponto entre o fim do banimento de O Amante de Lady Chatterley e a chegada dos Beatles. (O livro permaneceu proibido do final dos anos 20 até o começo dos 60, sob o argumento de que é obsceno.)

Há uma sabedoria notável no romance de Lawrence.

Numa conversa, perguntam a um homem se ele acredita no amor. A resposta é não. “No que você acredita?, então?”, continuam. “Eu? Ah, intelectualmente eu acredito em ter um bom coração, um pênis firme, uma inteligência vívida e a coragem de dizer ‘merda’ na frente de uma dama.”

Sócrates não diria coisa mais sábia.

NO homem feliz é essencialmente o homem potente. Nm livro, Philip Roth conta o dilema de um homem entre a vida e a potência. Cardíaco, teria que tomar remédios que o inviabilizariam como amante. Ele prefere morrer potente.

São atuais e provocativas as conversas que você vê no livro de Lawrence sobre homens e mulheres em sua eterna luta para se compatilizar e se satisfazer sexualmente.

Lawrence traça um retrato soberbo da classe privilegiada inglesa nos primórdios do século XIX. O império britânico já começava a se desintegrar. Lady Chatterley, numa cena, é sodomizada pelo caseiro da propriedade de seu marido.

É simbólico.

Mais que apenas uma lady, era toda uma casta de privilegiados e esnobes – a upper middle class, cultivada ao longo de muitas décadas de exploração das colônias – que estava sendo submetida a uma sodomização da qual jamais se recuperaria inteiramente.